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- 40 anos de parceria Cirad Embrapa - Elisabeth Claverie Silvia Massruhá
ÌÇÐÄVlog e Embrapa: 40 anos de parceria para enfrentar os desafios climáticos e alimentares na Amazônia brasileira e da Guiana Francesa

Silvia Massruhá, presidente da Embrapa, e Élisabeth Claverie de Saint Martin, Presidente-Diretora Geral do ÌÇÐÄVlog, no Salão Internacional da Agricultura de Paris, em fevereiro de 2024. ©ÌÇÐÄVlog
O Cirad celebra este ano o seu 40º aniversário. São também, com a Embrapa, 40 anos de parceria. Em que e porque esta parceria pode ser considerada um exemplo de cooperação científica bem sucedida entre a França e o Brasil? Em termos de resultados significativos? Aprendizagem partilhada?
Silvia Massruhá : Nossa parceria com o Cirad é uma das mais sólidas e profícuas em termos de história, objetivos comuns de pesquisa, desenvolvimento e intercâmbio em prol de avanços de estudos da agricultura, diversidade, segurança alimentar, conservação/restauração, agricultura familiar, dentre muitas outras áreas de interesse. Somente entre 2002 e 2022 a Embrapa teve quase 1000 publicações com a França. É o segundo país com o qual o Brasil mais publica depois dos EUA. Somente a França representa cerca de 30% de todas as publicações da Embrapa com instituições Europeias. Desse total de quase 1000 publicações com instituições francesas cerca de 543 foram apenas com o Cirad. Por consequência o Cirad é nosso maior parceiro depois do USDA nos EUA.
Além das publicações tivemos dezenas de pesquisadores que desenvolveram seus trabalhos de pós graduação, seja mestrado, doutorado ou pós doutorado em instituições francesas. Essa troca certamente foi responsável não somente pelos projetos apresentados acima, mas também por muitos resultados em avanço de conhecimento, inovações tecnológicas e certamente políticas públicas.
Élisabeth Claverie de Saint Martin: Essa parceria é única em vários aspectos. Desde a criação do instituto federal brasileiro, a França e, em particular, suas instituições de pesquisa, como o Cirad, têm contribuído para a formação científica de muitos pesquisadores da Embrapa.
Em termos de pesquisa, os dois institutos têm colaborado em vários projetos, especialmente no campo da agricultura familiar. O projeto Silvânia, nos Cerrados, é um exemplo emblemático. A agricultura de conservação e a modelagem de risco agrícola são dois outros aspectos da pesquisa dessa parceria inicial. Por exemplo, o Cirad gerou e implementou com a Embrapa o modelo ZARC (Zoneamento Agrícola de Risco Climático). Hoje, nossa colaboração se estende à implementação de projetos de grande escala, como o Terramaz e o Sustenta e Innova, com o objetivo de apoiar o desenvolvimento territorial sustentável dos agroecossistemas amazônicos.
Nossa parceria evoluiu do suporte científico para setores agrícolas e treinamento para a cooperação em projetos de escala cada vez maior, agora financiados por patrocinadores internacionais. Juntos, estamos respondendo aos desafios globais, em especial por meio da reabilitação de áreas degradadas e do gerenciamento inclusivo de florestas.
Essa colaboração agora foi fortalecida pela parceria Territórios amazônicos, um grupo de pesquisa franco-brasileiro que agora inclui cientistas e autoridades locais da Colômbia, Equador, Peru e Guiana Francesa.
As nossas duas instituições acabaram de assinar um novo memorando de entendimento. Quais são os desafios comuns que esta cooperação pretende enfrentar?
S. M. : O mundo globalizado impõe desafios significativos para a pesquisa, principalmente nas temáticas como produção sustentável, integração produtiva, redução da pegada de carbono, agricultura digital, edição gênica, recuperação de áreas degradas, adaptação as mudanças climáticas, segurança alimentar, redução da fome e da pobreza. As áreas mencionadas poderão ser explorados pelas equipes nos próximos anos. Nossa parceria já rendeu boas contribuições para políticas públicas e a forma de fazer e avançar na diplomacia científica, sendo uma referência para novas cooperações. Certamente podemos avançar em estudos e projetos comuns para a conservação e uso sustentável da Amazônia brasileira e da Guiana Francesa.
E. C. S. M.: À luz dos resultados dos projetos que estão quase concluídos, nossa colaboração poderia se concentrar mais na proteção e na reabilitação da fertilidade do solo. Outra prioridade é o gerenciamento de recursos naturais, em especial a caracterização e o aprimoramento da biodiversidade (bioeconomia). A preservação de recursos naturais, como florestas e recursos hídricos no norte e nordeste do Brasil, também é uma preocupação compartilhada. A luta contra a pobreza e a insegurança alimentar, especialmente no Nordeste, que também é um objetivo do G20, é outro desafio compartilhado, principalmente por meio da intensificação agroecológica dos sistemas de agricultura familiar. Por último, mas não menos importante, o valor dos alimentos e do know-how locais poderiam ser mais valorizados.
O setor agrícola tem sido historicamente dominado por homens. Hoje, porém, há duas mulheres à frente de duas instituições nacionais de pesquisa neste domínio, no Brasil e na França. Trata-se de um forte sinal de mudança. Como vem esta evolução na prática, tanto dentro das vossas instituições como em termos de pesquisa científica?
S. M. : No Brasil, as mulheres têm conquistado presença em cooperativas, associações, no executivo, legislativo, instituições de ciência, tecnologia e inovação, bem como empresas públicas e privadas. O meio rural tem nas mulheres uma força empreendedora que cresce continuamente. Comitês como esse potencializa essa força. Aqui podemos trocar experiências e aprendemos umas com as outras, uns com os outros.
Precisamos construir mais ambiência para a ascensão de pesquisadoras e gestoras a posições de destaque e momentos como esse são alavancas para esse desenvolvimento. A partir de uma visão inclusiva, o sistema científico será mais criativo e competitivo, com melhores resultados, na medida em que integre esta perspectiva inclusiva e gere ferramentas para alcançá-los.
E devemos ir além, devemos promover de forma assertiva o empreendedorismo feminino rural. Para isso, por exemplo, temos na Embrapa uma ação estratégica, que é o Observatório das Mulheres Rurais do Brasil. Criado em 2022, o observatório faz parte do Sistema de Inteligência Estratégica da Embrapa e tem como objetivo fornecer subsídios para políticas públicas em benefício das mulheres que atuam em atividades agropecuárias, florestais e aquícolas. É uma ferramenta de inteligência para o acompanhamento e antecipação de questões relevantes do campo, considerando recortes regionais e temáticos.
Segundo dados do Observatório da Embrapa, o número de estabelecimentos rurais dirigidos por mulheres aumentou em 44% entre 2006 e 2017 (anos estudados pelo Observatório até então). São quase um milhão de estabelecimentos rurais dirigidos por mulheres (948.075,00). O Observatório e as ações de inclusão são ferramentas que respondem às metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030, especialmente ao ODS 5, referente à meta 5.b, que é "Aumentar o uso de tecnologias de base, em particular as tecnologias de informação e comunicação, para promover o empoderamento das mulheres".
E. C. S. M.: De fato, esse é um sinal claro de abertura e reconhecimento do envolvimento e da presença das mulheres nas profissões científicas e, mais particularmente, no campo da agronomia. Também é correto que o lugar e o papel das mulheres sejam reconhecidos na hierarquia e na tomada de decisões de alto nível.
Essa tendência se reflete em estudos, particularmente em escolas de agronomia na França e no Brasil, como a Escola de Agronomia Luis Queiroz da Universidade de São Paulo (ESALQ), da qual o Cirad é um parceiro de longa data. Como parte de sua oferta de treinamento, o Cirad também está recebendo um número crescente de mulheres cientistas de todas as origens em Montpellier e no exterior.
Essa tendência dentro das instituições também está aumentando a conscientização e incentivando os grupos de pesquisa a se interessarem no papel das mulheres na melhoria dos sistemas alimentares e na alimentação saudável nas cantinas escolares.
Como o Cirad e a Embrapa podem combinar suas habilidades para trabalhar juntos na preservação e no reflorestamento de áreas habitadas por populações indígenas?
S. M. : Ao longo da história da Embrapa foram desenvolvidas ações de PDI voltadas ao fortalecimento da cultura dos povos indígenas, governança territorial e permanente diálogo, na medida em que esses povos desenvolvem conhecimentos e práticas importantes na sua estreita relação com o ambiente em que vivem desde tempos imemoriais, adaptando-se às mais diversas situações, o que representa uma oportunidade para a Embarga e para o Cirad em prol do uso sustentável dos recursos, segurança e soberania alimentar. A Embrapa possui um Acordo de Cooperação Técnica com a Funai que envolve atividades de pesquisa, desenvolvimento e transferência de tecnologias para povos indígenas que vai ao encontro de diversas políticas públicas, entre as quais destaco a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI), de 2012 que considera os Planos de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas, contemplando e valorizando linhas de pesquisa da agricultura indígena, agricultura familiar, agrobiodiversidade, agroecologia, conhecimento tradicional e no conhecimento. Além disso, temos Projetos em parceria com Cirad, como por exemplo, o TerraAmaz que visa elaborar planos de inteligência territorial, com produção de conhecimento e aprendizagem em co-construção de soluções junto às populações locais que conservam a floresta.
E. C. S. M. : O Cirad atua nas três principais bacias florestais do mundo, trabalhando no campo em estreita colaboração com as populações locais. Todas as comunidades devem ter a possibilidade de se beneficiar de uma avaliação precisa de sua situação e de suas necessidades, a fim de obter soluções adaptadas às suas circunstâncias específicas. No Brasil, o Cirad e a Embrapa já estão trabalhando juntos no dispositivo de parceria dos Territórios Amazônicos, bem como em vários projetos destinados a preservar e restaurar áreas degradadas, especialmente por meio de reflorestamento.
O projeto TerrAMAZ é um exemplo perfeito dessa colaboração entre o Cirad e a Embrapa, que também envolve muitos outros parceiros, como a ONG IDEFLOR, a UFRA, a UEPA e o governo do Pará. Ele oferece às comunidades indígenas, como por exemplo para o povo Tembé, abordagens agronômicas que podem garantir segurança alimentar ou monitoramento do território usando novas tecnologias, como drones.
Trabalhar com as comunidades indígenas é essencial, pois elas desempenham um papel crucial como guardiões das florestas, estando localizadas no centro delas e, portanto, na melhor posição para garantir seu uso sustentável e preservação a longo prazo.
Que papel a estreita parceria Embrapa-Cirad poderia desempenhar no apoio Sul-Sul para fortalecer a pesquisa agrícola em alguns dos países menos desenvolvidos, como gostaria o presidente Lula?
S. M. : A parceria Embrapa-Cirad fortalece a presença da ciência e inovação agropecuária nas parcerias de cooperação Sul-Sul. As redes de parceiros de cada instituição potencializam a relação e pode gerar ações conjuntas que transbordam cada instituição isoladamente. Por exemplo, o One CGIAR, cuja reunião de Conselho será inclusive sediada na Embrapa em junho desse ano; a presidência do Programa Procisur, atualmente sob coordenação da Embrapa, na pessoa da Presidente Silvia Massruhá, são ações onde a presença da capacidade institucional da Embrapa e do Cirad podem fazer a diferença. A Embrapa é constantemente demandada para retomar a participação em ações de Cooperação Sul-Sul, e nessa gestão, com o apoio da Agência Brasileira de Cooperação (ABC), Apex, Ministério e Governo Federal, juntamente com parceiros estratégicos internacionais, como o Cirad, será possível restabelecer uma estratégia robusta nesse sentido.
E. C. S. M. : A Embrapa é amplamente reconhecida como uma das principais instituições de pesquisa agrícola do mundo e tem dado uma grande contribuição para o desenvolvimento da agricultura brasileira. Sua experiência científica em agronomia tropical poderia ser bem aproveitada no desenvolvimento da agricultura tropical nos países menos desenvolvidos. A colaboração entre a Embrapa e o Cirad poderia se basear nos dispositivos de parceria, dos quais o Cirad foi um dos iniciadores e parceiros fundadores, a fim de reunir habilidades e conhecimentos.
A Embrapa já está envolvida nos dispositivos PP-AL e Territórios Amazônicos. O agrupamento de recursos e conhecimentos para o desenvolvimento de países em desenvolvimento e a capacitação poderia beneficiar regiões como a África e a América do Sul.